quinta-feira, 21 de julho de 2011

Tiwanaco: Arqueologia do Nacionalismo Boliviano

A revolucao modernizadora boliviana foi dirigida por um grupo de intelectuais devidamente especializados. O guru, Fausto Reinaga, ganha o premio de melhor tese de sociologia de 1952 com o texto Terra e Liberdade - um manifesto pela reforma agrária levada a cabo no governo de Victor Paz Estenssoro. Pouco mais tarde, em 1970, Reinaga escreve o Manifesto do Partido Indio Boliviano que influenciaria fortemente o Movimento Revolucionário Tupak Katari, a partir de uma perspectiva marxista-leninista, contextualizada na sociedade boliviana. Raul Prada, autor de clássicos textos de crítica colonial foi também artista plástico e uma ponte entre os MNRistas e as vanguardas indigenistas das décadas de 1920 e 1930, como o pedagogo Franz Tamayo e o pintor Cecilio Guzman Rojas.


Mas, uma figura chama atencao especial nos quadros do corredor do Museu da Revolucao: José Fellman, arqueólogo. Coube a esse senhorzinho sorridente reconstruir as Ruínas de Tiwanaco a base de tratores e com muito cimento. Para além da reconstrucao falaciosa de uma "civilizacao clássica" e de seus lacos tenues com a Bolivia moderna, esse caso também deixa escapar pela porta dos fundos uma pergunta mais importante:

Qual é o sentido e a importancia das Ruínas na invencao das ideologias
nacionalistas?


A fuga das cores

A civilizacao Tiwanacota vivia o mundo a partir de uma cosmogonia recheada de trilogias: O universo é a uniao de 3 planos: Hanan Pacha (pacha em quéchua significa tempo e espaco), o mundo de arriba, é alvo, morada de Tata Inti (Sol) e Mama Quilla (Luna), Pacha do Condor. Kay Pacha é o mundo de aqui, onde os seres humanos desenrolam suas vidas, Pacha de todas as cores e do Puma. Uku Patcha é o mundo de abajo, plano inferior, pacha de La serpiente Amaru, em vermelho e preto.

Como de costume a História Universal reconstruiu a primavera andina a partir da Mitologia da Harmonia entre Pacha Mama e os seres humanos; o Dourado Republicanismo escreveu a história do verao colonial com letras de suor e sangue e se afirmou como estacao suprema da Liberdade. Mas, aos poucos as folhas das árvores ressequidas foram caindo, uma por uma. Muitos já podiam perceber que a violencia libertadora apenas havia despedaçado o espelho que refletia a imagem opressiva do verao colonial para impor a sua própria dominaçao. E entao chegou a Revolucao de Outono e seus profetas reerguendo ruínas com máquinas fantasmagóricas.

Tiwanaco, as Ruínas da Nacao, anunciava, com pompas e trombetas, a Nacao em Ruínas e o inverno da Humanidade. Mesmo com frio até os ossos um ainda pode se perguntar: As ruínas sao uma alegoria do passado ou do futuro? Aqueles de caráter destrutivo ao menos podem sonhar com o caminho livre que deixam as ruínas... Mas um mundo que reconstrói Ruínas nao seria o seu pesadelo?
Hoje, quem anda por La Paz, de vez em quando encontra um dos estilhaços do espelho por onde pode ver a imagem das trilogias arruinada pelo unitarismo das mercadorias. Acima da cidade, imponente com sua capa branca descansa o Monte Illimani, iluminado por uma brecha de Sol que escapou de Hanan Pacha. Dentro da cratera milhoes de tijolos se amontoam sobre cimento, em vermelho e cinza, Uku Pacha. Kai Pacha, a imagem de um mundo colorido também foi estilhaçado. As cores correram para se esconder nos lugares profundos: no brilho intenso dos dentes e olhos de um velhinho carguero arrastado por seu carrinho numa praça aos pés do Monte Llampu, dentro das rugas de uma Cholla velha que vende frutas na calçada do cemitério ou embaixo das unhas de uma mulher cansada de descamar truchas na feira de peixes da Rua Buenos Aires.

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