quarta-feira, 8 de junho de 2011

A cidade dos 4 nomes e 4 ventos

De Norte, Sul, Leste e Oeste; Charcas, Chuquisaca, Sucre, La Plata.

Bellíssimo, aún más que ahora, era el sítio por las selvas que poblavan sus contornos cuando, en 1539, llegó allí Pedro de Anzurez a fundar la villa por órden del marqués Pizarro. Su plano está atravesado por el divortium aquarum del Alto Perú; línea admirable adondo, cuando llueve, dos gotas que veníam juntas suelan separarse, una rodando a las cabeceras del más poderoso río del continente, y otra yendo a los tributários del mayor caudal de aguas que corre el globo. Dos cerros cónicosde pórfido, a manera de esfinges, misteriosas, uno junto a otro se empinam con aspecto singular tras los arrebales del sud bases con tal exactitud, que los arroyos que bajan del uno son vertientes del Amazonas, y los que bajan de otro, cabecera del Río da Plata. Encalvada en uno de esos contrafuertes apacibles y abrigados al bajar la gran altiplanície de los Andes, como para hacer servir su plaza de natural escala de comercio, entre las altas provincias de Bolivia y las bajas de la Argentina, Chuquisaca es un punto céntrico de término entre dos grande vías fluviales; pues dista doce leguas del Pilcomayo y catorze del Río de La Plata. [...] En La Plata la pujanza dominante del elemento español, como que se diluía en la enorme deproporción del elemento indígena, presentaba del sistema espetáculos confusos, dispersos, o tan sólo las batallas de la intrepidez o de la fuerza. Dentro de estos muros la vida colonial se agitó por completo, desplegando en sus diversas esferas la intesidad más enérgica de su espírito. Aquí estaba la médula de aquella vasta y poderosa organización; este pueblo era el cerebro de la sociedad entera en las altas y bajas provincias interiores del virreinato. (Moreno, G. Ultimos dias coloniales en Alto Perú)
O trecho acima, de tom iluminista e modernizador, se virado de ponta cabeça, permite um primeiro olhar sobre a opulência e o peso que o colonialismo produziu na América Española. Opulência facilmente transformada em turísmo colonial.

Hoje a plaza central de Sucre é consagrada à essa nobre atividade: A grande Casa da Liberdade onde foi proclamada a independência do Alto Perú é sediada em um edifício onde um dia foi a Grande Universidad Mayor Real y Pontificia San Francisco Xavier de Chuquisaca, fundada pela espada sagrada do Rei Felipe IIII e com a bencao do Papa Gregório XV em 1623.

Recostada na Casa da Liberdade está a Catedral Metropolitana construída em 1551 a partir de referencias estéticas barroco-renascentistas e mestizas. A Catedral abriga um conjunto de catacumbas onde descansam grandes personalidades da história esclesiástica de Charcas, inclusive o grande arcebispo responsável pela revoluçao cultural que agitou a cidade mais iluminista da República Bolivar.

Para quem nao gosta de turismo histórico-colonial há também a opcao de turismo urbano pelos bairros de Sucre. Esse percurso deve ser feito através do transporte publico coletivo composto de micro-onibus importados do diretamente do Japao para servir aos cidadaos platenses. Esses onibus, a primeira vista velhos e fumacentos, sao a última palavra em tecnologia à gasolina, prometem os secretários e o prefeito. Se isso for verdade podemos sentir a todo pulmao o verdadeiro cheiro do Toyotismo pelas enformigueiradas ruas de La Plata. Ah, a linha final do Toyotismo Boliviano acaba nas feiras de artesanato da periferia (como Tarabuco) onde se fabricam legítimas sandálias quéchuas com os restos de pneus dos toyotinhas.

Bom, os toyotinhas arrancam pelas subidas do centro histórico em direcao à Recoleta, primeiro bairro da cidade de Charcas, fundado por uma missao franciscana. Como Recoleta situa-se em um morro acima da Gran Plaza, aqui podemos disfrutar de uma vista privilegiada sobre a cidade.

Do outro lado da gran plaza fica o Castelo de La Glorietta, onde viveu o simpático casal Francisco Argandoña Revilla e Clotilde Urioste de Argandoña. Revilla foi um Senhor das Minas de Potosi, que depois de tanto acumular prata resolveu abrir um Banco só pra ele. Como o negócio deu certo, foi convidado a ser Ministro Plenipotenciário na França e na Espanha. Viajou o mundo inteiro divulgando a Cultura Boliviana nas grandes praças cosmopolitas do século XIX.

A imponente cidade de La Plata que se ergueu tragicamente pelos braços de indígenas nas minas de Oruro e Potosi (e criou as reduçoes onde os indígenas podiam "viver") dá lugar à farsa da urbanizacao crítica no século XX.

O atual desenho urbanísitico de Sucre foi colocado em prática a partir da década de 1950, quando convenientemente um terremoto assolou a cidade e abriu a oportunidade de modernizar suas ruas, praças e avenidas, e o “Comité de Reconstrucción y Auxilio” formula o primeiro “Plan Regulador” de Sucre. Outro projeto urbanístico é colocado em prática na década de 1970 para tentar integrar as periferias obreras ao centro da cidade. Com o pouco que aprendi sobre a historia da cidade e da colonizacao, tenho a impressao de que a urbanizacao de Sucre assumiu desde sempre um caráter negativo (tá bom, eu sei que isso nao é novidade...).

Modernizacao Retardatária Boliviana

A extraçao de prata colonial entra em uma crise profunda por volta de 1790 (se já nao era crítica sua produçao) com o alagamento de minas e esgotamento de minerais de prata. Essa crise da prata é enfrentada pela diversificacao dos minerais extraídos. Na mineracao Chuquisaqueña do século XIX os Senhores das Minas centram fogo na extracao do Estanho de Oruro e Huanuni. Entram em cena os Baroes do Estanho: Don Mauricio Hochschild, Don Simón Iturri Patiño e Don Carlos de Aramayo.

A preponderância de La Plata sobre o território boliviano vai se desmanchando e perdendo espaço para La Paz, entre os século XIX e XX. Após a Guerra do Chaco (Paraguay-Bolivia, 1932-35) o governo norte americano anuncia uma espécie de Plano Marshall Boliviano, chamado Plano Bohan. Este pacote contava com empréstismos financeiros e criacao de instituicoes, das quais a principal foi a Corporación Boliviana de Fomento(CBF), responsável pelas políticas de modernizacao da producao agropecuário-florestal e abertura de estradas.

Na prática o Plano Bohan criava condiçoes para substituir o Eixo mineiro Oruro - Potosi - La Plata, em decadência, por um novo Eixo Agrícola Cochabamba - Sta Cruz. A marcha do desenvolvimento Bohan se voltava para o oriente buscando um novo Sol para a poente economia boliviana.

Dizem os Bolivianos que o financiamento dessas politicas de modernizacao foi garantido por sólidas linhas de crédito nacional e internacional (leia-se capital fictício inventado pelo estado boliviano e dinheiro sobrante das crises de superproducao estadunidense).

Em 1952 ocorre uma revoluçao na Bolivia que apontaria para o centralismo de La Paz na formulaçao de políticas de modernizaçao. O direito de voto é ampliando à mulheres, analfabetos e camponeses; as minas sao nacionalizadas e 80% da grana do estanho vai para o Estado; uma reforma agrária toma lugar em 1953 e distribuí terra a camponeses; e uma reforma educativa moderniza e universaliza o ensino básico.

Em 1964 a Bolivia é tomada de assalto por um Golpe Militar que reprime movimentos obreros e dá continuidade aos massacres de mineiros que os Senhores e Baroes haviam inventado. A partir da década de 1970 a crise econômica se intensifica. Os camponeses sem auxílio técnico ou financeiro nao se adaptam aos níveis de produtividade do mercado e vao se encaixando na economia de subsistência precarizada. Ao mesmo tempo sao reforçados os movimentos de imigrantes rurais buscando oportunidades no coméricio, fábricas e refinarias das cidades.

O governo militar fecha a CBF e substitui o Plano Bohan, lançando a “Estrategia Boliviana de Desarrollo” que todavia também centrava fogo no Eixo Norte, dividindo o país em regioes (homogeneas, polarizadas, planas) para criar as Corporaciones Regionales de Desarrollo: (Carlao, Cássio e Carol, como exímios militantes da Crítica Regional, vao gostar de saber que na Bolivia também teve Re(li)giao do Planejamento).

Tais Corporacoes concediam créditos agropecuários priorizando as Regioes do eixo norte (Dpto. de Sta Cruz de La Sierra) onde hoje encontramos as atividades agrícolas mais modernas do país, principalmente com Soja. Sta Cruz também recebe seus milhares de imigrantes e a cidade cresce mais do que nunca, através dos projetos habitacionais de periferia e além.

O Colapso do Picante de Pollo

Na década de 1980 a produçao de estanho encontra uma crise profunda e o país entra em uma zona de estagflacao. (estagnacao economica + inflacao). As taxas de inflacao batem os 10% e as minas estatais sao fechadas: 23 mil mineiros sao jogados do fogo na brasa.

Ao mesmo tempo Cochabamba e La Paz e Sta Cruz se consolidam como capitais da urbanizacao critica Boliviana; o eixo Norte (agrícola) toma o lugar do decadente eixo Sul (mineiro); a mineracao é privatizada na década de 1980 e até hoje segue organizada por cooperativas privadas. (minha próxima parada é nas minas de Potosi, pra tentar sacar como está rolando a hoje).

Em Sucre surgem a Refinaria de Petróleo Carlos Montenegro e a Fabrica Nacional de Cemento (FANCESA) que tomam a preponderância das atividades econômicas na cidade. Crescem também o comércio e as atividades terciárias e extendem os bairros obreros.

A producao de cimento ocupa uma poucas atividades industriais de Sucre, com a MegaCorporacao Fancesa tomando o espaco da antiga SOBOCE (Sociedad Boliviana de Cemento). Aliás, a Fancesa prometeu uma fábrica super moderna e novinha em folha dentro do Crater de Marawa (35km de Sucre) para o próximo ano... Que bom, porque a paisagem de Marawa é selvagem e subdesenvolvida, como voces podem comprovar pela foto abaixo:



Hoje o Dpto de Sucre é responsável por menos de 5% do PIB boliviano e Sta Cruz 30%. Em 2001, Chuquisaca era a regiao mais pobre da Bolivia com quase 80% de sua populacao abaixo do nivel da pobreza, dos quais 60% se encontram em condicoes de precaridade total.

Esse cenário de decadencia geral do eixo de Sucre está na mídia a todo momento e os governos (dos departementos e de La Paz) prometem que enfrentarao a pobreza com um grande projeto de desenvolvimento e integracao possibilitado pela Carretera Bioceanica, que ligará o Dpto de Sta Cruz, Chuquisaca e La Paz, sem precisar passar por Potosi. Para chegar a Sucre desde Sta Cruz eu vim pela estrada antiga e é inacreditavel.. Ela desce o Valle Grande e sobe a Cordilheira, rodeando as serras. Tem trechos que a estrada parece uma trilha. Asfalto só a 90 km de Sucre, capital da Bolivia. Pueblitos miseráveis a beira do nada convivendo com rolos-compressores e tratores que levantam poeria para construir a Grande Carretera Bioceanica. A execucao dessa grande estrada também tem levantado o ânimo de Bolivianos e Chilenos sobre a reinvidicacao de uma faixa territorial no litoral do pacífico; ontem teve inicio uma discussao na Organizacao dos Estados Americanos (OEA) sobre o tema.

Após uma visita do ministro de defesa Iraniano à Bolivia, a ministra Boliviana de Defesa anunciou que o governo realizará o primeiro censo militar com vistas a modernizar o exército. O ministro chileno da defesa anunciou que "tiene Fuerzas Armadas prestigiadas, profesionales y preparadas, que están en condiciones de hacer respetar los tratados internacionales y de cautelar adecuadamente la soberanía y la integridad territorial de Chile”. - Sabe-se lá onde isso vai parar.

O colapso anda com agente de maos dadas pelas ruas e povoados. Dezenas de quéchuas miseráveis sentam nas calçadas de La Plata com os dentes podres e sombreiros rasgados recolhendo moedas; nos terminais urbanos todos os dias onibus e caminhoes se entopem de gente, botijoes de gás, sal, acucar e coca-colas em direcao aos bairros e pueblitos da perifeiria. Enquanto do outro lado da rua quéchuas de classe média passeiam vestidinhos com roupas urbanóides e cabelos tingidos, indo e voltando de pubs e universidades. Do lado de cá da rua turistas europeus, argentinos e brasileiros (opa) surfam com suas calças coloridas nas ondas do Socialismo do Século XXI.

Em todos os jornais saem notícias sobre a Crise Alimentar e a Inflacao de precos. Enquanto isso as ruas sao diariamente preenchidas de gente sem dinheiro em enormes filas nas calçadas de Bancos Internacionais.

O governo do Evo que até agora tinha se posicionado totalmente contra a producao de alimentos transgenicos (em 2006 ele prometeu eliminar as sementes transgenicas da Bolivia) dá um passo em direcao a liberacao da transgenia, como tentativa desesperada de garantir alimentos nos niveis de produtividade que o mercado exige. O preco do açúcar foi tabelado depois de quase duplicar (hoje está 6bs o kilo). E depois de um gazolinazo a inflaçao acumulou 4% só nos 5 primeiros meses de 2011.

Em um artigo dessa semana no Le Monde Diplomatique (Maya Mazoroco e Sergio Barrientos), intitulado ¿Quie decidiré quién come y a cuánto en Bolivia? os autores relacionam a crise alimentar desde 2008 com a crise do petróleo: La cadena alimentícia esta cada vez mais enfrascada en la dinámica de oligopólios empresariales que la ligam de modo cresciente a insumos derivados del petróleo a nivel global y tambiém a insumos derivados de la mineria. A esto se suma la especializacion productiva de los países en vías de desarollo impuesta durante la última década y la descampesinacion como fenômeno global. Ambos fenômenos tienden a convertir a muchos países que cuentam com sistemas de abastecimiento relevantes, en importadores de alimentos básicos que son cada vez más inaccesibles para las poblaciones de menor potencial económico.

Enquanto isso a produçao de Coca segue a todo vapor como uma das atividades mais rentáveis do país (além do gás e minerios) : mao-de-obra super explorada, baixos índices de investimento. A produçao se concentra na Regiao de Chapare, principalmente na Federacao del Tropico, onde o governo abranda a fiscalizacao e incentiva sonegacao de impostos. Os produtores das outras 5 Federacoes da Regiao de Chapare acusam o governo de privilegiar esta zona, enquanto impoem a política "Coca-Zero" (outra, nao aquela pra emagrecer) às outras 5 federacoes.

Do outro lado da montanha a crise do Dólar fez subir o preco do Ouro no mercado internacional. Em resposta o governo promete re-nacionalizar a mineracao que trará rios de ouro para a populacao que mais merece.

Pelo jeito é assim que se faz de dinheiro mais de dinheiro em tempos de colapso na Bolivia.

E como se nao bastasse, depois das 7 da noite, demônios e diabinhas saem pulando pelas ruas ao som de bumbos, caixas, trompetes e trombones. Esse mundo está do jeito que o Lefebvre gosta!

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