sábado, 21 de maio de 2011

Com a faca no pescoço e Do outro lado do Rio Paraná

Com a faca no pescoço

Fabrica
No final das contas nao fui contratado pelo Grupo de Abate Hallal, mas a desculpa foi boa pra conseguir dar uma sapiada na linha de producao de frangos. Acabei descobrindo que somente uma pequena parte dos funcionarios da Unidade da Sadia de Dois Vizinhos sao islâmicos: cerca de 100 de um quadro de 2.500 pessoas. Entretanto mais de 90% da producao realizada ali é Hallal.

Os abatedores trabalham em uma secao chamada Sangria. O galpão da sangria é estreito e barulhento, confinado como uma penitenciária mas branco como um hospital. É inacreditável o ritmo e a velocidade do abate, sempre atrasado em relacao a esteira fordista. Cada uma das 3 linhas de Sangria conta com 3 funcionários cortando pescoços a todo vapor: Por hora cada um desses funcionários faz a sangria de 8.400 aves. Além desses 9 funcionários, um supervisor anda pra lá e pra cá entre as linhas. No total essas 10 pessoas cortam mais de 75 mil pescoços em 1 hora. Os turnos de 6 horas diárias sao divididos entre 3h trabalhadas e 3h de descanso, hora em que se intercalam outros grupos de abatedores. Dessa maneira a cada turno de 6 horas 150 mil frangos, a cada 24 horas, 600.000 frangos. Isso significa que a cada mes 18 milhoes de galinhas vao pro beleléu, ou pra Istambul, direto de Dois Vizinhos.

O resto dos outros 2400 funcionários faz todo o tipo de atividade: administração, cozinha, transporte, preparação das linhas, manutenção, limpeza, embalagem, etc... Do ponto de vista da cadeia produtiva a diferenca entre o frango Hallal e o Frango Comum está somente na Sangria.

Os abatedores sao contratados oficialmente pela empresa Grupo de Abate Hallal, com sede em Sao Bernardo do Campo, caracterizando uma terceirizacao dentro do próprio chao da fabrica.

Em uma conversa com a galera do Sindicato de Trabalhadores da Indústria de Alimentos de (SINTRIAL) Dois Vizinhos fiquei sabendo que a legislação trabalhista brasileira nao permite a terceirizacao da ''atividades fins'', que eu nao sei definir bem. No começo desse ano o Ministério Publico abriu um processo contra a Sadia de Dois Vizinhos, mas sequer a linha parou de funcionar e ja estava pronto um documento que permitia que as cabeças continuassem rolando. E parece que vai seguir assim por um bom tempo. A Sadia de F.Beltrao comecou a sofrer um processo pelo mesmo problema, mas parece que foi arquivado. Acredito que todas as linhas de producao de frango hallal no Brasil se econtram submetidas a esse problema porque o G.A.H. monopoliza o fornecimento de mao-de-obra especializada para o Abate.

Bairro
Também visitei o bairro Cango, onde vivem alguns dos trabalhadores africanos da Sadia. É um bairro relativamente próximo ao centro, com casas de madeira mais antigas que sao colocadas para alugar. A casa onde Hamadul, de Guiné Bissau mora com um colega custa 300 reais por mes. Tem uma cozinha, saleta, 2 quartos e um banheiro, tudo com no máximo 30 metros quadrados.

Hamadul alugou essa casa ha 2 meses, quando o ultimo dos 3 amigos que havia conhecido na Casa do Migrante deixou Francisco Beltrao. Em uma semana de setembro 2009 os 4 chegaram a casa sem se conhecer: Hamadul (Guiné-Bissau), El Hadj (Guiné-Conakri), Amadul (Guiné-Conakri) e Ibrahim (Guiné-Conakri).

Hamadul lembra que quando chegaram a São Paulo faziam tudo juntos: procuravam empregos, arrumavam a documentação, conversavam e apoiavam um ao outro. Antes de completarem um mes em SP mudaram-se todos juntos para Beltrao, em uma casa maior do outro lado da rua. Sem os amigos Hamadul teve que de mudar para a casinha em frente.

Mobilidade
O deslocamento dos abatedores hallal pelas empresas ao redor do Brasil é constante. Seus contratos sao feitos com tempo indeterminado, mas sao constantemente interrompidos, tando pela Sadia quanto pelos funcionários. As recissoes dos contratos também sao influenciadas pelos prazos concedidos pelo Conselho Nacional de Refugiados (CONARE) aos migrantes. Quando encerra um prazo o contrato pode ser revisto.

De acordo com uma ex-funcionaria da Caritas, cerca de 60% de todos os pedidos de refugio no Brail sao indeferidos. Assim aconteceu com Hamadul, Amadul, El-Hadj e Ibrahim: ha mais de 1 ano no pais e ainda sem documentos definitivos. Quando um migrante recorre ao indeferimento recebe um novo protocolo provisorio e continua no trabalho. Mas enquanto nao tem documentos definitivos ficam com medo de sair dos empregos na Sadia, mesmo ganhando menos que um documentado.

Uma vendedora da BR-Foods Paraná me disse que a empresa está implementando um sistema integrado de gestao territorial dos trabalhadores, da producao e da circulacao de mercadorias, chamado Projeto Terra Nova. Acredito que o deslocamento dos abatedores também estao sujeitos a esse programa de racionalizacao da produtividade. Os relatos que ouvi dizem que a empresa forca alguns funcionarios a mudarem de cidade e até de estado. Isso aconteceu inclusive com alguns colegas de Hamadul. Aqui também vale aquele jogo da liberdade negativa da mobilidade do trabalho e os migrantes projetam suas estratégias fetichistas de mobilidade: El-Hadj aceitou ir a Amparo, por ser mais perto de Sao Paulo, onde tem que ir de vez em quando para lidar com seu processo de documentacao. Amadul aceitou ir para Passo Fundo, em busca de um salario maior. Ibrahim, mudou-se para Uberaba. Ainda nao sei o que o motivou a sair, mas sei que nao foi a empresa que solicitou sua transferência. Certa vez, em conversa por telefone, Ibrahim se queixou do preconceito que sofria na cidade por ser negro: Aqui no Paraná preconceito é muito forte..

Para Vilson e Marilene, do SINTRIAL, esse preconceito realmente existe. Aqui no sudoeste estamos acostumados com descendentes de Italianos e Alemães. É muito triste mas as pessoas aqui nao aceitam muita diferença.

Nas ruas de Dois Vizinhos se pode ver também indígenas guaranis vendendo artesanatos. Algumas pessoas nas ruas tem tracos que lembram muito mais os Guaranis do que os Tiroleses, e trabalham na cidade, como Chico, que é motorista do Sindicato e divulgador de eventos. Mas, de maneira geral, eles nao parecem tao integrados na vida urbana. Parece que eles vivem em aldeias ao redor do Sudoeste Paranaense, ao longo da margem do Rio Paraná. Em Dois Vizinhos alguns indígenas dormem nas calcadas para conseguir vender alguma coisa, porque as vezes em um dia inteiro nao vendem nada. Eu nao conseguir ir ate nenhuma aldeia, mas acredito que seria uma boa dar um pulo lá qualquer dia.

Por falar em Guaranis

Do outro lado do Rio Paraná
Passei pro outro lado do Rio Paraná... Além da moeda chamada Guaranies, a presença indígena na formação da população pode ser sentida com muito mais forca. Os indígenas estao em toda parte, as vezes engravatados entrando em faculdades de ciencias empresariales, as vezes acampados nas portas de rodoviárias. Entretanto a ideologia nacional exala pelos poros das cidades enquanto o Paraguay festeja 200 anos de liberdade.

Foram estendidas bandeiras em todo o pais. Os tecidos cobrem com as cores da liberdade, fraternidade e igualdade, como veus, os predios, postes e avenidas de Ciudad del Leste, Villa Rica e Assuncao, entre outras cidades. Embaixo das bandeiras segurancas privados armados com escopetas 12mm escoltam o Sr.Dinheiro, apressado no entra e sai a das lojas, restaurantes, banquinhas, barracas, moto-taxis e casas de cambio. De baixo das bandeiras e das armas tudo corre na mais afobada tranquilidade nossa de cada dia. Toda loja que vende alguma coisa mais cara tem o seu policial privado na porta.
Normalmente as pessoas explicam tudo simplesmete: teve a guerra do Paraguay, morreram 300.000 (50% da populacao), faltava gente ai começaram a chegar os imigrantes europeus. Mas acho que essa explicação quase natural da colonização paraguaya no século XX pode ser problematizada de forma semelhante as discussões que fazemos no LABUR sobre as politicas de migracao do seculo XIX no Brasil com o fim da escravidao.

As colonias que se estabeleceram aqui seguiram aquele modelinho de povoamento, mas ainda nao descobri muito como se deu a relacao deles com a propriedade da terra e as populacoes anteriores.

Dos alemaes, especificamente, ha algo muito esquisito. Sao na maior parte menonitas e se mantiveram fechados culturalmente desde que se iniciou a colonizacao. Em Filadelfia ha boatos de que estao nascendo varias criancas com mutacoes por causa da baixa variacao genética. É aqui que estou agora.

Em Filadelfia uma empresa de colonizacao chamada Fernheim se estabeleceu em torno de 1920, na regiao do Chaco Boreal. Hoje a cidade de Filadelfia é um enclave de gentrificacao: As ruas largas e ensolaradas sao percorridas a pé por descendentes de indígenas (vendedores ambulantes, policiais, faxineiros, garcons e trabalhadores no comércio em geral).Dentro das caminhonetes, dos restaurantes e supermercados, ou seja, do lado de cá dos balcões privados, passeiam e vao as compras Los Menos.

As colonias menonitas sao festejadas como casos de sucesso de povoamento e producao de riqueza com níveis consideráveis de produtividade, nos setor agropecuário e no processamento industrial de algumas materias primas. A cidade de Filadelfia tem um clima de Self-Made-City, em meio a Paineiras Barrigudas e primos de Mandacarus.

Mas se por um lado se ve uma riqueza que aparece como produzida pelo próprio trabalho do colono, por outro lado ficam escondidas nas esquinas as relacoes de producao e reproducao que possibilitaram esta acumulação. O contraste social é bem nítido e o clima tenso: Os descendentes de indígenas ficam pelas ruas vendendo capas de celular, atrás dos caixas de supermercados e atendendo clientes de restaurantes climatizados. Mesmo sabendo que é a igualacao negativa da mercadoria que produz a desigualdade social, acho que o plano da desigualdade é constituinte e particulariza a relacao da mercadoria. Niguém aqui pode deixar de perceber a exploração social colada de perto na etnia: a classe social foi historicamente estampada na cara de todos.

A hospedaria que estou ficando se chama Los Delfines, quartos sem banheiro por 35.000 guaranies (R$ 14). Meus vizinhos eu encontro sempre pela calcada e eles já desistiram de tentar me vender um celular.

Também aqui em Filadelfia estao espalhadas as Bandeiras da Nacao. A reinvindicacao da identidade nacional de maneira tao exacerbada contrasta nitidamente com o cotidiano racista e colonizado desse Texas Paraguayo, digo Filadelfia.

Um comentário:

  1. ALLAN!!! não sabia dessa sua viagem, vou acompanhar. depois vou tentar escrever um relato sobre o mercado de frango por aqui. hahaha. fuerça hermanito, buena vibra por solos sulamericanos para ti!

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