terça-feira, 17 de maio de 2011

Na pista do frango

Francisco Beltrão, Paraná, 16 de maio de 2011 - 18:30. Tédio.

A república de estudantes que me acolheu era habitada por exímios jogadores de video-game, de modo que tomei rumo para a UNIOESTE. O campus estava às moscas. Não, pior, nem moscas. As pessoas só aparecem aqui a noitinha porque trabalham (ou jogam video-game). Mas aos poucos o prédio foi sendo povoado não só pelos jogadores de video-game mas também por assíduas leitoras de catálogos de cosméticos que iam ocupando seus assentos em frente a televisão da lanchonete esperando a aula começar. E a aula começou. 15 minutos de blábláblá sobre Geografia do Brasil e eu já estava na rua procurando um moto-taxi pra me levar pro Bairro Sadia, uns 10km daqui, por 5 reais. Faz bastante frio aqui, ainda mais "dentro" da moto.

Circulei pelo bairro por algum tempo, fui des-informado uma meia dúzia de vezes sobre a localização dos meninos africanos que moram por lá e cheguei a lugar nenhum, na beira da BR de novo. Continuei caminhando seguindo a pista de um borracheiro. Em cima de uma ponte de ferro amarelado, coberta com vigas de madeira espaçadas entre si, podia-se ver um rio. Pelo seu cheiro de ração de gato deve se chamar Whiskas ou Friskies. Bom, na margem oposta do Rio Whiskas fica a Sadia, fumaçenta, fedida e luminosa.

Acompanhei as grades da Sadia tentando ver alguma coisa lá dentro. Quando finalmente enxerguei algo meu nariz já estava dentro do guichê de vidro da portaria e um segurança me perguntava:
- Pois Não?
- Eerr... Hum... Ah....
- Oi?
- Mohamed! - A única palavra que escapou.
- Você é o Mohamed?

Antes que eu pudesse responder toca o telefone. Alguns segundos pra pensar e o segundo segurança já estava a postos.
- Eu quero falar com o Mohamed, ele trabalha na seção Hallal.
- Você quer trabalhar aqui? - perguntou o segundo, tentando entender o que uma pessoa fazia as 9h da noite na frente de um portão de fábrica.
- Quero, sou de São Paulo - a resposta saiu automaticamente e estava armada a confusão.

O segundo segurança disse que eu deveria falar com o Perez e eu assim informei ao terceiro quando este me perguntou o que eu desejava.
- Não garoto, você tem que falar com o Péricles, não Perez.
- Ok, então liga no Péricles, por favor.

Mas algum tipo de dinâmica de revezamento ou rital satânico que eu não podia compreender fez com que o terceiro deixasse o posto que logo era retomado pelo primeiro uniforme:
- Por favor, ligue no Péricles, seção Hallal.

E quando finalmente os números do escritório Hallal eram digitados no aparelho telefônico, o numero 2 dava um grito do lado de fora da cabine, pedindo que o numero 1 desligasse o telefone. Olhei para o segundo com o sorrisso derretido.

O motivo da interrupção? Um dos jovens que trabalhavam na seção Hallal acabara de chegar para a troca de turno.

O terceiro segurança logo adiantou a conversa:
- Ele veio de São Paulo para trabalhar aqui com vocês.

Mas o rapaz não engoliu a estória. Olhou meus sapatos e minha cara duas ou três vezes antes de perguntar:
- Por que você veio de São Paulo pra cá sem passar no escritório, que normalmente faz a ligação entre a Sadia e os empregados? Qual é o seu nome?
- Allan - só consegui responder a segunda pergunta.
- Eu tenho um amigo que conhece um Allan.
- Ibrahim?
- Sim, ele.
- E você quer mesmo trabalhar aqui? - O terceiro segurança até inclinou o tronco para ouvir a minha resposta.
- Sabe, quer dar uma volta? Pra conversar? - disse, tentando escapar do segurança
- Eu? Dar uma volta com você?
- É, pra conversar.
- Mas a essa hora? - Peguei ele pelo ombro e o empurrei para longe do segurança que a cada segundo ficava mais entretido com o caso.

Longe do segurança conseguimos conversar melhor. Na verdade eu já o conhecia mas não lembrava. Seu nome é Baldé, estava na Casa do Migrante junto com Ibrahim quando o conheci. Trocamos contatos e marcamos uma conversa para o dia seguinte. A visita à Sadia já tinha valido a pena, eu poderia simplesmente ir embora, minha intenção ali era conversar com os imigrantes e eu já tinha conseguido reencontrar um colega. Mas não consegui ir embora.

Fiquei a sós novamente com seguranças e logo o segundo veio me perguntar sobre meu passado muçulmano, como cheguei ao Brasil e sobre o desemprego na Arábia Saudita, meu país de origem, enquanto esperávamos o encarregado Sinovaldo que só sairia as 23:20 para me falar sobre o emprego. Confiei na sua falta de conhecimento para anular a minha ignorância e soltei um blábláblá absurdo sobre o Oriente Médio. Escapei com a desculpa de ir buscar um café e cigarros para dar um jeito no frio que só aumentava.

Estava na pista do frango. Do outro lado da BR pude ver melhor o complexo da Sadia . O prédio central era uma construção mais antiga, de tijolos, com uns 3 andares e no centro uma estrutura de ferro alta composta por correias e ganchos. Ao redor desse prédio, diversos galpões barulhavam um motor fumaçento que encobria todo o terreno e se misturava com a neblina da estrada.

Na porta da Sadia era intenso o trânsito de caminhões carregados com perus, galinhas, insumos, equipamentos, etc. O ar ficava insuportável na medida em que o cheiro de "ração de gato" se combinava com o das galinhas. O resultado era algum tipo de gás alucinógeno que com certeza influenciava no raciocínio daqueles três seguranças que não paravam de se revezar a cada minuto. Fiquei tão confuso que contei histórias diferentes para cada um dos três e, acredito, histórias diferentes para o mesmo segurança. Mas eles não se importaram.

Bom, esperei até a troca de turnos, conversei com mais alguns rapazes, um do Iraq e outro de Gana. Por volta das 23:30 finalmente encontrei o Sinovaldo fugindo pela porta dos fundos com sua moto:
- Você tem que falar com o Peterson. Ele é o supervisor geral.

Anotei seu telefone e consegui escapar.

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